Eu quero...
Cadê a tampa da minha panela, o chinelo do meu pé
cansado, a metade da minha laranja?
Tá em ebulição, vazando, transbordando, e nada da tampa da panela pra socorrer a lambança. É culpa da pressão que eu ponho em tudo isso? É o que dizem: desencana que uma hora ele aparece.
Tá em ebulição, vazando, transbordando, e nada da tampa da panela pra socorrer a lambança. É culpa da pressão que eu ponho em tudo isso? É o que dizem: desencana que uma hora ele aparece.
O pé cansado já tentou calçar (à força) o chinelão que
descola as tiras, o sapatinho de cristal. Nenhum serviu e o coitado tá todo
esfolado.
Ninguém pra descascar, chupar ou fazer uma laranjada. Em
compensação, laranjas na minha vida não faltam. E chega! Há anos peço o príncipe e só me
mandam o cavalo.
Fim de ano sem amar é deprê, hein?
Tô megera o suficiente
pra ver uma família feliz no shopping e pensar que aquela instituição "image
bank" não passa de uma união solitária de aparências. Tô megera o suficiente pra
furar a fila do Papai Noel e pedir um pirulito, bem grande, bem grosso, bem
exclusivamente apaixonado por mim.
Tô megera o suficiente pra abraçar os veadinhos do trenó
em homenagem aos meus ex-casos.
Tô mega-megera o suficiente pra não admitir
minha carência e dar uma risada debochada de todas as luzes, canções e emoções
de boas-festas. (...)
É claro que eu desejo o meu sucesso profissional,
dinheiro, saúde, ..., mas nada de atacar para todos os lados nas simpatias deste
réveillon. Não dá certo. Este ano vou focar no amor: calcinha vermelha, fitinhas
vermelhas e as sete ondas vão ser puladas com a mão no coração (se eu
usar a frente-única branca que comprei, é bom que a mão no coração já segura um
peito) e uma só intenção: encontrar o danado.
Ah, sejamos sinceras mulheres modernas: no fundo, no
fundo, a gente quer mesmo é alguém pra dormir protegida no peito (de preferência
largo, forte e levemente cabeludo).
E nem é medo de ficar pra titia não, além de ter cara de
mais nova e ser bem
nova, eu sou filha única. É vontade de sentir aquela
coisinha misteriosa de "é esse!". Como será sentir isso? Eu sempre sinto que "pode ser
esse, ou talvez com algumas mudancinhas possa ser esse ou talvez se ele
quisesse, poderia ser esse...". Não, isso tá errado. Quero sentir que "é
esse".
Dizem que materializar os sonhos escrevendo ajuda, então
lá vai: quero transar com beijo na boca profundo, olhos nos olhos, eu te amo e
muita sacanagem, quero cineminha com encosto de ombro cheiroso, casar de branco,
ser carregada no colo, filhos, casinha no campo com cerquinha branca, cachorro e
caseiro bacana. Quero ouvir Chet Baker numa noite chuvosa e ter de um lado um
livrinho na cabeceira da cama e do outro o homem que amo.
Quero sambão com churrasco e as famílias reunidas. Quero
ter certeza, ali no fundo da alma dele, de que ele me ama. Quero que ele saia
correndo quando meu peito amargurado precisar de riso. Que ele esqueça, de vez
em quando, seu lado egoísta, e lembre do meu. Que a gente brigue de ciúmes,
porque ciúmes faz parte da paixão, e que faça as pazes rapidamente, porque paz
faz parte do amor.
Quero ser lembrada em horários malucos, todos os
horários, pra sempre. Quero ser criança, mulher, homem, et, megera, maluca e,
ainda assim, olhada com total reconhecimento de território. Quero sexo na escada
e alguns hematomas e depois descanso numa cama nossa e pura.
Quero foto brega na sala, com
duas crianças enfeitando nossa moldura. Quero o sobrenome dele, o suor dele, a
alma dele, o dinheiro dele (brincadeira...). Que ele me ame como a minha mãe, que seja mais forte que
o meu pai, que seja a família que escolhi pra sempre.
Quero que ele passe a mão na minha cabeça quando eu
for sincera em minhas desculpas e que ele me ignore quando eu
tentar enrolá-lo em minhas maldades. Quero que ele me torne uma pessoa melhor,
que faça sexo como ninguém, que invente novas posições, que me faça comer peixe
apimentado sem medo, respeite meus enjôos de sensibilidade, minhas
esquisitices depressivas e morra de rir com meu senso de humor
arrogante.
Que seja lindo de uma beleza
que me encha de tesão e que tenha um beijo que não desgaste com a rotina. Que a
sua remela seja sequinha e não gosmenta e que o tempo leve um pouco de seu
cabelo (adoro carecas...).
Que suas escatologias não passem de piada e se
materializem bem longe de mim. Tem que gostar de crianças, de cachorrinhos, da
minha mãe, e tem que odiar ver pessoas procurando
comida no lixo.
Tem que dançar charmoso, ser irônico, ser calmo porém
macho (ou seja, não explodir por nada mas também não calar por tudo). Tem que ser meio artista, mas
também ter que saber cuidar dos meus problemas
burocráticos.
Tem que amar tudo o que eu escrevo e me olhar com
aquela cara de
"essa mulher é única".
É mais ou menos isso. Achou muito? Claro que não precisa
ser exatamente assim, tintim por tintim. Exigir demais pode fazer eu acabar
sozinha (...). Deus me livre!
Bom, analisando aqui, dá pra tirar umas coisinhas. Deixa
eu ver... Resumindo então: tem que dizer que me ama e me amar mesmo, tem que
rolar umas sacanagens e não pode ter remela gosmenta.
Pronto!
E quando eu tiver tudo isso e uma menina boba e
invejosa me olhar e pensar que "aquela instituição feliz não passa de uma união
solitária de aparências" vou ter pena desse coração solitário que ainda não
encontrou o verdadeiro amor.
- (Tati Bernardi) -
seguuindo aqui!
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